terça-feira, 18 de agosto de 2020

Pai e filho lançam livro de verbetes das religiões de matrizes africanas


Fidelcino Marsal e Werinton Kermes trabalharam por mais de duas décadas no projeto

 

Nossos irmãos africanos fazem parte da história e cultura de cada brasileiro, com seus costumes e religiões, fundamentais para a perpetuação linguística de diferentes povos. É dessa forma que o jornalista Werinton Kermes e seu pai Fidelcino Marsal desenvolveram ao longo dos anos um dicionário de verbetes explicando conceitos e expressões das religiões de matrizes africanas.

Quando Kermes completou 30 anos e ouvindo desde criança seu pai proferir palavras africanas, teve a ideia de anotar cada uma delas pensando futuramente publicá-las em um livro, especificamente um dicionário de verbetes. “De lá para cá, anotei mais de 500 expressões ditas pelo meu pai”, explica.

Marsal, quando tomou conhecimento da possibilidade de lançar uma obra com palavras da cultura africana, começou, juntamente com seu filho, a procurar outros termos para acrescentar. “Conseguimos coletar em pesquisas outras 1.500 expressões.

Ou seja, no livro consta mais de dois mil vocábulos”, diz Marsal, orgulhoso com o trabalho feito entre pai e filho.

Essa admiração pela cultura africana vem se perpetuando na família Marsal desde o bisavô de Fidelcino, um negro que foi escravizado durante muito tempo. “Essas expressões foram transmitidas por gerações da família. Sempre ouvia do meu pai que, por sua vez, ouvia do meu avô. E assim foi passando de geração por geração. Por isso é importante a publicação deste livro como memória histórica”, relata Fidelcino.

Kermes também enxerga este dicionário de verbetes como uma forma de os artistas, sobretudo aqueles que trabalham na Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), acrescentarem em seu repertório de palavras. “Espero que os nossos artistas desfrutem desta obra, uma vez que vem para auxiliá-los na construção de narrativas e histórias a respeito da riquíssima cultura das religiões de matrizes africanas”, reflete o jornalista. "Este trabalho também tem um viés de homenagear meu pai, que tem 77 anos ainda em vida. Minha referência de cidadania e caráter", completa.

Atualmente, o Brasil é o país com mais descendentes africanos fora da África – 54% da população é afrodescendente, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As religiões africanas, por sua vez, foram fundamentais para a perpetuação linguística de diferentes povos. Isso porque o conhecimento dos termos africanos é essencial para integrar-se nessa comunidade, vivenciar seus rituais e se conectar com a própria identidade e ancestralidade. 

O livro foi editado pela editora PROVOCARE e sua versão em PDF pode ser solicitada pelo e-mail editoraprovocare@gmail.com. 


Alguns dos termos que constam no dicionário:


DENGO – Gesto de carinho. Manha, birra.


ENCABULAR – Envergonhar-se. Ficar vexado por algum motivo.


JABACULÊ – Gorgeta. Propina. Dinheiro.


LAMBUJA – Vantagem que um jogador concede ao parceiro ou rival. Aquilo que se ganha ou dá além do combinado.


SAPECA – Diz-se de moça muito namoradeira ou assanhada. Diz-se também da criança muito arteira.


XEPA – As últimas mercadorias vendidas nas feiras livres, mais baratas e de qualidade inferior. Sobras. Coisa inferior.


CAFUNÉ - Também do quimbundo vem a palavra cafuné, que significa acariciar/coçar a cabeça de alguém.


CAÇULA - Do quimbundo kazuli, que significa o último da família ou o mais novo.


MOLEQUE - Do quimbundo mu’leke, que significa “filho pequeno” ou “garoto”, era um modo de se chamar os seus filhos de mu’lekes. Com o passar do tempo, a palavra começou a apresentar um significado pejorativo, devido ao preconceito existente contra tudo o que era próprio dos negros, inclusive o modo como chamavam os seus filhos. Antes da abolição da escravidão, por exemplo, chamar um menino branco de “moleque” era uma grande ofensa. Atualmente, a palavra “moleque” é atribuída a crianças traquinas e desobedientes. Também é utilizada para qualificar a personalidade de uma pessoa brincalhona ou que não merece confiança.


QUITANDA - Do termo quimbundo kitanda, trata-se de um pequeno estabelecimento onde se vende produtos frescos, como frutas, verduras, legumes, ovos, etc.


FUBÁ - Fuba, da língua banta quimbundo, é uma farinha feita com milho ou arroz. Feijão e angu – creme feito apenas com fubá e água – eram a base da alimentação dos africanos e afro-brasileiros. Hoje, vários pratos e quitutes são preparados com o ingrediente, sendo o bolo de fubá o mais querido entre os brasileiros.


CACHAÇA - Essa aguardente de cana-de-açúcar é usada no preparo do coquetel brasileiro mundialmente conhecido: a caipirinha. A cachaça é obtida com a fermentação e destilação do caldo de cana. A palavra tem origem na língua quicongo, do grupo banto (atualmente Congo, Angola e Moçambique). A cultura da cachaça no Brasil começou no tempo de escravidão, quando os africanos trabalhavam na produção de açúcar proveniente da cana. O método consistia em moer a cana, ferver o caldo obtido e, em seguida, deixá-lo esfriar. Desse processo, resultava a rapadura – produto que tinha como finalidade adoçar alimentos e bebidas. Quando o caldo fermentava, o açúcar da garapa se convertia em álcool. Hoje, o Brasil produz 1,3 bilhão de litros de cachaça por ano. A bebida é a segunda mais consumida do país, ficando atrás apenas da cerveja.


MUVUCA - Mvúka, de origem banta e língua quicongo, significa aglomeração ruidosa de pessoas como forma de lazer, celebração.


CACHIMBO - Instrumento utilizado para fumar, geralmente, tabaco. A palavra deriva do termo kixima de uma das línguas bantas mais faladas em Angola: o quimbundo.


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