sábado, 15 de julho de 2017

Lei de Incentivo à Cultura (LINC)


Para o conhecimento:

Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo e Justiça do Trabalho.


A LINC, Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba, é o resultado de uma intensa mobilização por parte de artistas, mas não apenas artistas, como também de produtores culturais e de outros segmentos da sociedade, que, desde antes da década de 90, compartilham o entendimento de que o poder público é responsável por incentivar e viabilizar mais do que saúde, educação, moradia, segurança. Todas estas são necessidades vitais. Mas tão vitais quanto estas é a cultura, que nos humaniza, que nos identifica, que nos irmana, que nos apazigua, alimenta a alma e faz com que possamos prosseguir com a capacidade de sonhar, de ir além daquilo que o real nos permite, fazendo-nos imaginar outros mundos possíveis e colocando-nos em outros espaços, tempos e possibilidades.
A Justiça do Trabalho de Sorocaba acatou ação movida pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos, que exige que os proponentes de projetos a serem apresentados para a LINC possuam registro da Delegacia Regional do Trabalho para o exercício das atividades de atores e técnicos de som e luz.
A suspensão demonstra uma visão estreita do conceito de cultura. A cultura não é privilégio de corporações ou instituições. Não está limitada às artes, quais sejam elas: música, dança, teatro, cinema. Não depende apenas de técnicos de som e luz. A cultura abarca o fazer artístico, os artistas profissionais e também os amadores, mas vai muito, muito além destes profissionais e entidades de classe.
A cultura, sinônimo de cultivo, está atrelada, do ponto de vista antropológico, ao modo de vida de uma população. Inclui todas as práticas sociais, que vão desde o vestir, o habitar, o comer, o dormir, os instrumentos usados para o trabalho, as cantigas de roda entoadas pelas crianças, o rezar. A religiosidade instituída e a popular são formas de cultura. A lei, os comportamentos, os esportes, as regras de convívio, as fórmulas de saudação, a língua falada e escrita são formas de cultura, assim como a cultura de massa, o rap, o funk, a música caipira e o sertanejo universitário, as novelas, a escola, a filosofia, o cururu, os erros do português coloquial, o “r” puxado do interiorano: tudo isto é cultura.
A LINC é Lei de Incentivo à CULTURA. Não é Lei de incentivo aos atores e aos profissionais do mundo do espetáculo, por mais que seja sim uma fonte de incentivo a estes profissionais. É certo que a cultura gera empregos, movimenta a economia e se relaciona, em muitos casos, com o mercado e o capital. Mas é imperioso saber que cultura se faz para além do mercado, para além do capital, para além das instituições e apesar delas. Às vezes a cultura renasce e se fortalece justamente nos lugares sem nome, diretores, secretários, poderes e fiscais, pois é quando subverte que consegue ser criativa e levar o homem além do óbvio.
Restringir a LINC por uma suspensão classista implica em impedir que professores de história, culturólogos, jornalistas, comunicadores, pedagogos, poetas, artistas populares, gastronomistas, geógrafos, apresentem seus projetos e coloquem em prática trabalhos que deveriam ser partilhados por toda a comunidade. Afinal, todo o conhecimento só tem validade se partilhado. E cultura é para ser compartilhada. Não raro, artistas populares e não letrados desistem de projetos antes de chegarem ao meio do caminho, pois a burocracia – ainda que necessária para que as instituições fiscalizem o uso dos recursos públicos - acaba por desmotivar e criar mais desigualdade, tornando o que seria para todos acessível apenas a uma minoria.
Poetas, romancistas, historiadores, filósofos, cozinheiros, benzedeiras, padres, pais de santo, rezadeiras, foliões de reis, de carnaval, de maracatu, do divino, radialistas, jornalistas, cronistas,artistas de rua, passistas, MCs, não estão filiados ao Sindicato que fez suspender a LINC 2017. Entretanto, podem apresentar projetos, porque produzem cultura.
Em tese, qualquer cidadão sorocabano,em acordo com as prerrogativas do edital, poderia apresentar um projeto, desde que tal projeto represente um incentivo à cultura sorocabana.
Repetimos, arte é cultura. Mas a cultura não está restrita à arte, tampouco às artes espetaculares, apenas. Formadores de artistas – seus professores, formadores de público para os artistas, artistas plásticos, não estão necessariamente filiados ao sindicato que, com esta ação, enganosamente, afirma estar defendendo a classe a ele relacionada. Tal restrição representa um atraso, um estreitamento, uma segmentação, um fechamento mesquinho ao que toda forma de incentivo deveria propor, tornando-se, portanto, desincentivo, desserviço e desrespeito aos demais proponentes que a suspensão do edital privou de defenderem seus sonhos de incentivo à cultura.
Com a ação, o Sindicato consegue, além de mais um processo para sobrecarregar o Judiciário, mais atrasos na cena cultural da cidade, mais artistas incapazes de desenvolver seus sonhos, profissionais de distintas áreas impedidos de ver seus projetos saírem do papel, enfim, uma escala desastrosa em efeito dominó, prejudicada por um entendimento frágil e limitado de que a cultura é feita por poucos, para poucos, quando, ao contrário, ela deveria ser o grande mote para a partilha do cotidiano em busca do entendimento comum: uma forma de sonharmos, realizarmos e irmos além de nós mesmos, juntos no encontro uns dos outros.

Werinton Kermes
Está Secretário de Cultura e Turismo de Sorocaba


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